Eram 7h e 30 da manhã quando a estrela do Jockey
Club do Paraná saía para seu único passeio do dia. Calçando botas para proteger
de eventuais contusões, Jéca trotava como se olhasse os seus súditos de cima.
Pesando 600 quilos, no auge da carreira, ostenta recordes de dar inveja a
Sebastian Vettel. Sete vitórias em 12 corridas.
Alazão puro-sangue Inglês, quatro
anos, filho de Inexplicable e Volition, Jéca é o cavalo mais mimado entre os 60
do Haras Rio Iguassú.Todos os dias têm seus pelos escovados. De cima para baixo
de modo a ativar a circulação sanguínea e tonificar os músculos do animal.
Crina e cauda são devidamente lavadas com água morna, e posteriormente
penteadas. Madeixa por madeixa.
Banhos, só com a permissão de Jéca. Seu
treinador, Ademar de Barros Pereira, 58 anos, sabe que tem dias que o rei desse
do pedestal e se comporta como um pangaré. “Em dias frios ele fica mais
agitado. A transpiração e a respiração ficam fora do normal. É o recado de que
hoje ele não quer banho”.
Conhecido como Abe Pereira, ou Seu Abe
entre os frequentadores do Jockey, o treinador de Jéca, e de outros 20 cavalos,
há 40 anos cuida de animais de corrida. Nascido em Passo Fundo, Rio Grande do
Sul, foi criado em Palmas, extremo sul do Paraná. Fixou moradia em Curitiba em
1970. Herdou do tio os macetes de treinador.
Observar se os joelhos e tornozelos
são tortos, arcada dentária e histórico genético são recomendações para acertar
na escolha de um animal campeão.
Tiro no escuro. Lembra Luiz Felipe
Pelanda, 20 anos, filho do proprietário do Haras Rio Iguassú, que alguns
cavalos às vezes enganam na hora do arremate. “Já paguei 100 mil por um cavalo
perfeito, bom histórico, mas que no fim das contas não me rendeu nada”. Levanta
a hipótese. “Vai da sorte também”.
Com Jéca, a sorte falou mais alta.
Arrematado em um leilão no Rio de Janeiro em 2007, pelo seu avô, Guido Irineu
Pelanda, por R$ 60.000, considerado barato pelos padrões do esporte, o cavalo
foi uma aquisição pessoal. “Meu avô contrariou muitos para adquirir o Jéca”.
Seu Abe foi um dos que não aprovaram a compra do animal. “Não parecia um cavalo
campeão”, resumiu o treinador.
A dieta do puro sangue observa os mais rigorosos
critérios técnicos. Para Jéca, fica a disposição o médico veterinário Mauricio
Pontarolo. No cardápio, uma refeição balanceada. Alfafa, milho e aveia.
Medicamentos, com exclusiva prescrição médica veterinária.
Em março de 2011, um duro golpe na
vitoriosa carreira de Jéca. Depois de alguns primeiros lugares em grandes
prêmios no Paraná e em São Paulo, o Alazão fora escalado para uma das
principais provas do turfe sul-americano. O XXVII Gran Premio Association
Latino-americana de Jockey Clubes e Hipódromos. Não pode ir. O motivo foi o
teste positivo do seu exame em relação a Piroplasmose. Vírus que ataca a
imunidade do animal, provocando febre alta, isolamento, e em casos mais graves,
taquicardia. Felizmente, no caso de Jéca, o médico Mauricio Pontarolo, explicou
que ele não estava necessariamente infectado. “Naquele momento o exame apontou
positivo, mas depois ficou comprovado que ele não era portador da doença”.
Antes, a maior derrota de Jéca
ocorrera fora do campo da medicina. Escalado como favorito absoluto para ganhar
o GP Paraná 2010, vencendo inclusive o preparatório um mês antes. Montado pelo
Jockey, J.V. Ventura, Jéca, não confirmou as expectativas de passear durante o
GP e amargou um inexpressivo nono lugar.“Não sei o que aconteceu naquele dia.
Estava normal, boa alimentação, disposto, foi bem para o páreo. Mas
infelizmente não deu. Foi triste”, lamenta Seu Abe.
Pelanda, proprietário de Jéca, também ficou
surpreso com o resultado da corrida acreditando que o nervosismo do jockey
possa ter passado ao cavalo. “Eles são muito ligados (jockey e animal). Para
sair com um cavalo vencedor de um grande páreo eles precisam estar em
sintonia”.
Na maior corrida do turfe nacional, o GP Brasil,
realizado em agosto deste ano, Jéca chegou em terceiro, perdendo por meia
cabeça para Belo Acteon e Too Friendly.
A casa do Jéca é a cocheira três por quatro do
Jockey Club do Paraná onde ocorrem páreos todas as sextas-feiras a partir das
16h 30. Na plateia, quase vazias, poucas pessoas entusiasmadas. Nem de longe
lembra os anos dourados das décadas de 40 a 70, onde o turfe inspirava grandes
produções de Hollywood.
Nos camarotes, proprietários tomam vinhos e observam
seus cavalos correrem para seu próprio prazer.
São poucos os cavalos que pagam o investimento feito
no início da carreira. Jéca é um exemplo desses. Estimado em US$ 600.000, a
estrela da cocheira 16 já tem o futuro garantido. Reprodutor. Seus filhos
seguramente valeram bastante no mercado equino.
Como todo rei um dia perde a sua majestade, a família
Pelanda já pensa no rito de passagem da coroa. E o postulante ao trono é, É do
Iguassú. “Um potro de três anos que está virando o xodó da família. Vale
muito”. No mercado das paixões, o dinheiro ainda fala mais alto.
Esse foi um trabalho para a disciplina de redação VI.